Revista Ultimato – Nº 295 Julho-Agosto 2005
Adaptação: Sérgio Melo
A secularização do sagrado e a espiritualização do secular
Parece uma notícia retumbante. Tão retumbante quanto a conversão do imperador romano Constantino, que concedeu liberdade aos cristãos no ano 313. Cada vez mais a sociedade secular se aproxima de certas expressões religiosas cristãs e delas se apropria, sem chegar à adesão plena a Jesus Cristo como Salvador e Senhor.
Antigamente, por exemplo, apenas a filosofia e a teologia lidavam com o tema da espiritualidade. Hoje, a espiritualidade tem um alcance bem maior. A neurobiologia, a medicina, a psicologia, a sociologia e até a economia estão se valendo dela. Descoberto o valor emocional da oração, muitos passaram a recomendar a prece como instrumento de tranqüilidade, segurança, sucesso profissional, cura e enriquecimento. Antes mais ou menos rivais, agora a medicina se associa à religião em busca de cura, a ponto de os médicos recomendarem: “Faça sempre uma oração ao tomar o seu medicamento”.
Todavia, se há uma influência da religião na sociedade, a influência da sociedade sobre a religião é muito maior, como o leitor poderá ver na matéria de capa desta edição de Ultimato: transformações de ontem e de hoje roubam a beleza e a autoridade da igreja. Está acontecendo um casamento misto entre a igreja e a sociedade divorciada de Deus, tal qual o de Salomão com a filha do faraó do Egito (1 Rs 3.1) e com muitas outras mulheres estrangeiras (1 Rs 11.1), o que o levou a construir altares para os deuses delas em Jerusalém, a única capital monoteísta do mundo de então (1 Rs 11.7-8).
À vista desse estranho conluio, é fácil chegar à conclusão de que o que ocorre hoje é a secularização do sagrado e a espiritualização do secular. Nós exportamos o que temos de mais precioso e importamos o que não tem valor algum. Em outras palavras, o secular assume alguma coisa do sagrado e o sagrado assume alguma coisa do secular.
Esse estranho fenômeno está provocando o congelamento da água quente e o aquecimento da água fria, em favor da globalização da água nem quente, nem fria, mas morna. É um filme muito antigo, rodado em Laodicéia, na Ásia Menor, na segunda metade do primeiro século da era cristã. Nele o Senhor explica ao pastor daquela comunidade: “Assim, porque você é morno, não é frio nem quente, estou a ponto de vomitá-lo da minha boca” (Ap 3.16).
O que está acontecendo com a igreja gloriosa?
Há um clamor no ar. Em vários lugares, cristãos estão se perguntando uns aos outros: “O que está acontecendo com a ‘igreja gloriosa, sem mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e inculpável’, de que fala Paulo (Ef 5.27)?”
A igreja gloriosa precisa de santos no púlpito e nos bancos. Não de santos beatificados e canonizados depois de mortos, mas de santos vivos, audíveis, visíveis e palpáveis, nos seminários, nos conventos, nos templos, na mídia, na sociedade, em casa e nos lugares de trabalho, exalando “o aroma de Cristo entre os que estão sendo salvos e os que estão perecendo” (2 Co 2.15).
A graça transformada em libertinagem
[Eles] infiltraram-se dissimuladamente no meio de vocês... e transformaram a graça de nosso Deus em libertinagem. (Jd 4)
Remover a maravilhosa graça do seu pedestal e colocá-la na mesma prateleira da libertinagem é algo que precisa ser denunciado em alto e bom som
Culto transformado em show
E, levantando-se no seu lugar, leram no livro da lei do SENHOR seu Deus uma quarta parte do dia; e na outra quarta parte fizeram confissão, e adoraram ao SENHOR seu Deus. (Ne 9. 3)
O papel da música religiosa hoje em dia não implica obrigatoriamente, uma elevação da qualidade dos adoradores e do culto
O dízimo transformado em dividendos
Quando o dízimo é transformado em dividendos Deus assume o papel de devedor e o homem assume o papel de credor
A Tenda do Encontro com Deus transformada em prostíbulo
Era, porém, Eli já muito velho, e ouvia tudo quanto seus filhos faziam a todo o Israel, e de como se deitavam com as mulheres que em bandos se ajuntavam à porta da tenda da congregação. (1Sm 2. 22)
Templo transformado em pára-raios
Que é isso? Furtais e matais, cometeis adultério e jurais falsamente, queimais incenso a Baal e andais após outros deuses que não conheceis,
e depois vindes, e vos pondes diante de mim nesta casa que se chama pelo meu nome, e dizeis: Estamos salvos; sim, só para continuardes a praticar estas abominações!
Será esta casa que se chama pelo meu nome um covil de salteadores aos vossos olhos? Eis que eu, eu mesmo, vi isto, diz o SENHOR.. (Jr 7. 9-11 Almeida RA)
Milagres transformados em marketing
Quando se tem a ousadia de transformar milagres em marketing, ao mesmo tempo o pastor de ovelhas é transformado em empresário. Nessa metamorfose maldita, o pastor substitui a teologia pela economia e alcança muito sucesso
Santa Ceia transformada em comes e bebes
Nisto, porém, que vou dizer-vos não vos louvo; porquanto vos ajuntais, não para melhor, senão para pior.
Porque antes de tudo ouço que, quando vos ajuntais na igreja, há entre vós dissensões; e em parte o creio.
E até importa que haja entre vós heresias, para que os que são sinceros se manifestem entre vós.
De sorte que, quando vos ajuntais num lugar, não é para comer a ceia do Senhor.
Porque, comendo, cada um toma antecipadamente a sua própria ceia; e assim um tem fome e outro embriaga-se.
Não tendes porventura casas para comer e para beber? Ou desprezais a igreja de Deus, e envergonhais os que nada têm? Que vos direi? Louvar-vos-ei? Nisto não vos louvo.
Porque eu recebi do Senhor o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão;
E, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim.
Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim.
Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha.
Portanto, qualquer que comer este pão, ou beber o cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor.
Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice.
Porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor.
Por causa disto há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem.
Porque, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados.
Mas, quando somos julgados, somos repreendidos pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo.
Portanto, meus irmãos, quando vos ajuntais para comer, esperai uns pelos outros.
Mas, se algum tiver fome, coma em casa, para que não vos ajunteis para condenação. Quanto às demais coisas, ordena-las-ei quando for. (1Co 11. 17-34)
Tudo indica que o ágape dos coríntios era uma grande hipocrisia e a Santa Ceia, uma profanação
Sexualidade transformada em licenciosidade
Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma.
Ora, quanto às coisas que me escrevestes, bom seria que o homem não tocasse em mulher;
Mas, por causa da prostituição, cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu próprio marido.
O marido pague à mulher a devida benevolência, e da mesma sorte a mulher ao marido.
A mulher não tem poder sobre o seu próprio corpo, mas tem-no o marido; e também da mesma maneira o marido não tem poder sobre o seu próprio corpo, mas tem-no a mulher.
Não vos priveis um ao outro, senão por consentimento mútuo por algum tempo, para vos aplicardes ao jejum e à oração; e depois ajuntai-vos outra vez, para que Satanás não vos tente pela vossa incontinência. (1Co 6. 12; 7.1-5)
Numa mesma página, Paulo proíbe a relação sexual extraconjugal e a abstinência sexual prolongada sem anuência mútua e sem algum propósito justificável
Heterossexualidade transformada em homossexualidade
Por isso Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza.
E, semelhantemente, também os homens, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, homens com homens, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro. (Rm 1. 26-27)
Humildade transformada em estrelismo
De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus,
E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. (Fp 2. 5, 8)
Se a soberba descontrolada derruba impérios e faraós, por que não derrubaria igrejas todo-poderosas e pastores todo-poderosos?
Casa de oração transformada em covil de ladrões
(E entrou Jesus no templo de Deus, e expulsou todos os que vendiam e compravam no templo, e derribou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas;)
E os ensinava, dizendo: Não está escrito: A minha casa será chamada, por todas as nações, casa de oração? Mas vós a tendes feito covil de ladrões.(Mt 21 .12e13)
Os vendilhões do templo tiravam proveito financeiro das necessidades dos peregrinos e ainda roubavam do lugar a glória de Deus
Força moral transformada em força numérica
E chamando a si a multidão, com os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me. (Mc 8. 34)
Somos mais seduzidos pela força numérica do que pela força moral; temos sacrificado mais esta do que aquela.
Arrependimento e conversão transformados em festas
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