“Era uma casa, muito engraçada. Não tinha teto, não tinha nada”.
A letra da canção soa divertida, mas em Governador Valadares, região Leste de Minas Gerais, tomou forma de descaso.
Um conjunto habitacional construído pelo programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, para retirar famílias de uma área de risco, foi erguido em terreno condenado.
De 96 moradias, 14 estão sem condições de uso, ameaçadas por erosão, conforme relatórios do Corpo de Bombeiros, da Defesa Civil e da prefeitura.
Oito famílias foram removidas.
Entre as residências interditadas, que já foram parcialmente demolidas para evitar invasões, está a visitada e usada como modelo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na inauguração do conjunto, em fevereiro de 2010, quando esteve na cidade ao lado da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.
O conjunto, construído próximo à encosta de um morro às margens da BR-116, custou, dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), R$ 18,8 milhões, segundo dados do Ministério das Cidades. Serviria para abrigar moradores do bairro vizinho de Altinópolis, do outro lado da rodovia, onde morava a cozinheira Luciene Pereira, 48 anos, dona da casa visitada pela comitiva presidencial.
“O Lula reconheceu que ainda faltavam coisas. Afirmou que mandaria colocar cerâmica no piso e muro. Cumpriu a promessa, mas acabei ficando sem ter onde morar”, relata a ex-moradora, transferida pela prefeitura para um bairro próximo. Entrou em um programa de auxílio aluguel.
“Mas não pagam tudo. O aluguel é de R$ 450. Dão R$ 300 e atrasam o repasse. Lá, era nosso”, reclama a cozinheira”, que mora com a filha, o genro e duas netas.
Menos de um ano depois de entrar na casa própria, foi obrigada a sair em 30 de dezembro, às vésperas do réveillon. “Falaram que a casa ia cair por causa das chuvas”, conta Luciene. “Hoje temos de deixar de comer um pedaço de carne para pagar parte do aluguel”.
O secretário municipal de Assistência Social, Jaime Luiz Rodrigues Júnior, admitiu atraso nos pagamentos, mas afirmou que os repasses serão regularizados.
O secretário de Obras de Governador Valadares, Cézar Coelho de Oliveira, afirma que a prefeitura vem tentando convencer as seis famílias moradoras das casas condenadas que relutam em deixar o conjunto habitacional.
Todas correm risco, assume o secretário, sobretudo nos períodos de chuva.
Cézar afirma que a atual administração da cidade, que tem a ex-deputada estadual Elisa Costa (PT) como prefeita, não foi a responsável pelo início das obras. “A indicação foi feita no governo anterior”, argumenta. O antecessor de Elisa é o atual deputado estadual Bonifácio Mourão (PSDB).
Questionado se a obra não poderia ser paralisada, já que se tratava de um terreno condenado, o secretário afirmou que apenas parte da área está sob risco e que a suspensão não seria possível porque o projeto já estava “80% concluído”.
Erosão
Segundo Cézar Coelho, o morro onde o conjunto Palmeiras foi construído tem três pontos de erosão. O mais grave está voltado para a BR-116 e, conforme a prefeitura, depende de obras do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para ser contido.
A reportagem tentou contato com o responsável pelo Dnit em Governador Valadares, Ricardo Luiz de Freitas, mas não obteve retorno. Segundo o ex-prefeito Bonifácio Mourão, o terreno foi indicado com base em laudos elaborados por engenheiros da prefeitura. O deputado ressaltou que a área foi fiscalizada e aprovada também pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
“Não havia risco à época da escolha, no fim de 2007”, diz. Além disso, o deputado atribuiu a obras do Dnit para duplicação da rodovia Rio-Bahia o surgimento dos problemas. “A obra causou um assoreamento que não existia anteriormente”, afirma.
Mesmo com ruas asfaltadas, linha de ônibus e saneamento, o conjunto habitacional perdeu em qualidade de vida. As oito casas que começaram a ser demolidas — as residências têm tamanho padrão de dois quartos, sala, banheiro e cozinha — passaram a ser utilizadas como depósito de lixo.
Dentro das casas, o acúmulo de entulho da demolição favorece o surgimento de insetos.
Responsável pelo repasse de recursos do PAC, o Ministério das Cidades informou, pela assessoria, que não havia ninguém para falar sobre as obras do programa em Governador Valadares.
Leonardo Augusto e Maria Clara Prates Correio Braziliense
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